O projeto Imigrantes Espírito Santo teve início no ano de 1995 para atender a grande demanda de descendentes de imigrantes que procuravam o Arquivo Público do Estado do Espírito Santo (APEES) para resgatar suas origens.

Com o objetivo de localizar nas listas de passageiros dos navios, entre outros documentos, os nomes de seus avós e bisavós, os consulentes pesquisavam diretamente nos manuscritos originais, a maior parte no acervo do Século XIX, guardado pela instituição. O procedimento de pesquisa era lento e um número significativo de pesquisadores não conseguia atingir aos seus objetivos.

Em grande número eram os ítalo-capixabas que buscavam informações para montar o processo para requerer a dupla-cidadania e, também, para levantar dados históricos de seus antepassados para outras finalidades, como a construção da árvore genealógica.

Diante dessa grande demanda social o APEES definiu como uma de suas prioridades fazer um levantamento minucioso dos registros de entradas de milhares de famílias que vieram para colonizar o Espírito Santo, criando assim uma base de dados informatizada, para dinamizar e democratizar o acesso à informação.

Antes da informatização, os consulentes pesquisavam diretamente nas fontes primárias (documentos): listas de passageiros dos navios, passaportes, processos de terras, livros da hospedaria, etc. Tal procedimento demandava paciência e conhecimento específico para decifrar os manuscritos. Apesar do tempo gasto para essa busca, a maioria dos pesquisadores não conseguia localizar as informações necessárias. Além disso, o frequente manuseio prejudicava a conservação dos documentos e parte deles já estava se degradando por causa desse uso diário.

Com a informatização das listas dos imigrantes, localizadas no acervo documental, e cruzando-se os dados entre as diversas fontes, impediu-se a degradação dos documentos primários, ao mesmo tempo em que fez dinamizar e ampliar, com grande repercussão social, o procedimento da pesquisa. Deste modo, a resposta tornou-se imediata e acessível aos usuários de todos os níveis de instrução e faixa etária. Agora, com a divulgação dos dados via internet o projeto ganha uma nova amplitude.

 

METODOLOGIA

O cruzamento de dados foi de fundamental importância para aumentar o horizonte de informações para cada imigrante. Essa tarefa demonstrou-se a mais dispendiosa no que se refere ao tempo empregado para o desenvolvimento dos trabalhos, pois exigiu uma análise profícua das informações manuscritas, nas diferentes fontes documentais, indivíduo por indivíduo.

Os dados de embarque nos países de origem foram confrontados com as listas de entrada no Espírito Santo, com os passaportes, com os recenseamentos nas colônias, além de outras fontes, agregando-se as informações coletadas a um só registro. As fontes de origem das informações foram detalhadamente citadas para cada indivíduo. Esse procedimento é realizado cotidianamente com cada documento localizado.

Deste modo, obtêm-se um amplo leque de informações para cada imigrante: desde o local de origem (país, estado, município e distrito); passando pelos dados da viagem (navios, datas de embarque e desembarque); portos de embarque e de desembarque; bem como algumas escalas; a passagem pela Hospedaria de Pedra d’Água (a partir de sua inauguração em 1889); os portos de destino ou as vias fluviais por onde adentraram no Espírito Santo; as colônias oficiais ou particulares; os municípios; as seções das colônias, os distritos, as antigas fazendas escravocratas, ou as empresas que os contratou.

Verificam-se ainda informações sobre a religiosidade, a profissão, o grau de parentesco (sempre em relação ao chefe da família com o qual viajava) e a idade. Em alguns casos encontramos nos documentos referências sobre a data de nascimento, de casamento ou de óbito. Porém, essas informações geralmente são obtidas junto às certidões de registro civil ou paroquial, que geralmente são fornecidas pelos familiares. Estes, também colaboram com o fornecimento de cópias de outros documentos e até mesmo da fotografia do imigrante, o que torna o projeto interativo. Outras informações genéricas são inseridas no campo "Observações" no qual se pode localizar diversos dados.

De fundamental importância para complementar os dados foram as listas de entrada de imigrantes do acervo do Arquivo Nacional das quais obtivemos cópias em microfilmes, encaminhadas por aquela instituição de renome internacional. Milhares de passageiros faziam escala no porto do Rio de Janeiro antes de seguir para o seu destino final. A antiga capital do Brasil era o ponto de distribuição de imigrantes para várias regiões do país, inclusive para o Espírito Santo. Ali, os passageiros provenientes de portos estrangeiros faziam quarentena na Hospedaria da Ilha das Flores e depois embarcavam em outros navios para prosseguir viagem. 

O projeto tem 1812 como referência de data inicial porque em dezembro daquele ano chegou a então Capitania do Espírito Santo um grupo de 32 colonos, de um total de 250, oriundos das Ilhas dos Açores, para ocupar lotes na Colônia Agrícola de Santo Agostinho, atual município de Viana. Este foi o primeiro empreendimento oficial de colonização agrícola no Brasil por meio de mão de obra familiar imigrante. Alguns historiadores, equivocadamente, não consideram esse importantíssimo fato histórico por não considerar os açorianos como estrangeiros pois, na ocasião, juntamente com os brasileiros, estavam sob o domínio de uma mesma adminstração imperial. Na realidade eram europeus. O corte cronológico principal vai até 1900, mas a base de dados contém ainda registros de imigrantes do Século XX, que entraram no Espírito Santo até 1960.

Foi durante o século XIX - com larga expressão para as três últimas décadas - que o Espírito Santo, a exemplo de outros estados do Brasil, recebeu seu maior contingente de imigrantes. De 1874 a 1895 verifica-se o grande predomínio de indivíduos de uma única nacionalidade: os italianos, que respondem por três quartos do total de imigrantes em terras capixabas. A partir de então as entradas são esporádicas, devido em grande parte ao fim da subvenção pelas vias oficiais. Somente no período entre guerras, de 1929 a 1931, se verifica uma entrada mais expressiva de imigrantes: poloneses que seguiram para a região ao Norte do rio Doce, no atual município de Águia Branca. Também foi no início do século XX que se verificou a entrada da maioria dos sírio-libaneses no Estado dentre outras nacionalidades.

 

PROJETO INTERATIVO

O projeto deixa um espaço aberto aos acervos particulares, principalmente fotografias, certidões, passaportes, que são indexados na medida em que são fornecidos pelos familiares. Assim, novos campos são preenchidos, aumentando o conteúdo de informações para cada indivíduo.

Deste modo, as fichas dos imigrantes são complementadas a todo o momento, alimentando a base de dados e dotando o APEES de um riquíssimo acervo documental, resultante da democratização de seus documentos e da colaboração dos pesquisadores, em especial, dos descendentes dos imigrantes.

Esse procedimento ampliou significativamente o horizonte do projeto. Ao mesmo tempo em que buscava alternativas para preencher diversas lacunas, não encontradas nos documentos oficiais, fez com que os descendentes se tornassem responsáveis pelo resgate da história de seus antepassados. Assim, por meio da ação dos filhos, netos, bisnetos, milhares de imigrantes têm sua memória preservada e revelada. São, deste modo, reconhecidos, definitivamente, como agentes de grande importância para a história capixaba.

Os interessados em colaborar com o fornecimento de cópias de documentos como: passaportes, certidões de batismo, nascimento, casamento e óbito de imigrantes, além de fotografias, poderão enviar por e-mail (imigrantes@ape.es.gov.br) . As cópias dos passaportes serão disponibilizadas no site na seção "Passaportes Doados". As informações contidas nos documentos dos imigrantes, bem como a fotografia, serão indexadas na base de dados e impressas sempre que o registro correspondente ao imigrante for solicitado.

Muitos equívocos já foram desfeitos e problemas solucionados. A parceria com os familiares é de vital importância para o projeto pois, as informações constantes nos documentos, quando insuficientes ou não elucidativas, são reforçadas pelo conhecimento transmitido pela tradição oral, legada pelos imigrantes aos filhos e netos. Portanto, documento e memória são aliados na reconstituição da história de milhares de camponeses que se embrenharam pelas florestas tropicais do Espírito Santo a partir do Século XIX.

 

O REGISTRO DE ENTRADA DE IMIGRANTE

O resultado desse trabalho é o levantamento completo da entrada dos imigrantes que vieram colonizar o Espírito Santo a partir de 1812. Dessa base informatizada pode-se extrair dados estatísticos, históricos, genealógicos, etc. mas principalmente um relatório de impressão contendo todas as informações já coletadas, por indivíduo, denominado Registro de Entrada de Imigrante. O documento é impresso em forma de diploma e também é utilizado pelos descendentes para comprovar junto aos consulados, em processos de dupla-cidadania, a entrada do antepassado no Brasil.

O documento vem assinado pelo Ilmo. Sr. Diretor-Geral do Arquivo Público do Estado do Espírito Santo e pelo autor e organizador do projeto. Quando entregue em solenidades o Registro de Entrada de Imigrante é assinado pelo Exmo. Sr. Governador do Estado do Espírito Santo, pelo titular da Secretaria de Estado da Cultura e pelo Diretor-Geral do APEES.

 

PROGRAMA ARQUIVO ITINERANTE

O projeto Imigrantes Espírito Santo foi concebido, também, para ser desenvolvido nos municípios do interior. Para a realização dessa atividade do projeto o APEES dispõe de um veículo (Van) adaptado como escritório móvel onde a equipe do projeto realiza o atendimento aos interessados, utilizando-se de computadores e listas impressas com a relação dos imigrantes. Esse procedimento geralmente é realizado em parceria com as prefeituras municipais. Vários municípios do Estado já foram atendidos, como: Venda Nova do Imigrante, João Neiva, Águia Branca, Santa Maria de Jetibá, Iconha, Domingos Martins, Santa Leopoldina, Santa Teresa, Dores do Rio Preto, Rio Novo do Sul, Castelo, Marechal Floriano, Pancas, Linhares, Alfredo Chaves, Anchieta.

O atendimento principal se realiza na Sala de Consultas da sede do Arquivo Público em Vitória, onde os interessados têm acesso, além da base de dados, a outros documentos do acervo.

Mas, além do atendimento direto à população, o Arquivo Itinerante auxilia as prefeituras na organização documental por meio do Programa de Gestão Documental (Proged) e no incentivo à criação de arquivo públicos municipais.

 

IMIGRAÇÃO NO ESPÍRITO SANTO - BREVE RESUMO

O fluxo imigratório para o Espírito Santo inicia-se em 1812 com a criação oficial da Colônia de Santo Agostinho (atualmente Viana, na Grande Vitória) para onde foram enviados 250 açorianos entre os anos de 1812 a 1814. Esse primeiro empreendimento oficial de colonização agrícola foi criado pelo governador Rubim com o apoio do intendente do Governo Imperial, Paulo Fernandes Vianna.

Somente a partir de 1847, quando é criada a Colônia Imperial de Santa Isabel, às margens do rio Jucu, é que se dá prosseguimento à colonização por meio de imigrantes europeus, com a chegada de 163 alemães da Renânia: católicos, luteranos e alguns calvinistas. Parte desse grupo chegou em 21 de dezembro de 1846. Novas levas de imigrantes prussianos chegam para ocupar lotes agrícolas na colônia até meados de 1860. Em 1858 verifica-se a entrada de 29 imigrantes italianos, então denominados de sardos, pois eram provenientes do Reino Sardo-Piemontês. O acesso à colônia se dava por meios de trilhas, margendo o rio Jucu, onde nas primeiras décadas do século XIX havia sido demarcada a Estrada do Rubim, que ligava Vitória a Ouro Preto. A falta de vias navegáveis impediu que a colônia tivesse um progresso ainda maior.

Dez anos depois da fundação da Colônia Imperial de Santa Isabel, ou seja, em março de 1857, chegam os primeiros imigrantes, suíços e alemães, para a Colônia Imperial de Santa Leopoldina, que logo se configuraria como uma das mais prósperas do Brasil Imperial. A primeira fase da colônia vai até 1860 quando se verifica a entrada de camponeses da Província da Pomerânia (então sob o domínio do Império Prussiano), da Saxônia, Baden, Bavária, Hesse, Renânia; da Holanda; de Luxemburgo; da França e da Áustria. Entre 1868 e 1869 observa-se uma nova leva de pomeranos que também são dominantes nos anos entre 1872 a 1874, juntamente com centenas de poloneses (provenientes da então Prússia Ocidental, também sob o domínio do Império Prussiano). O acesso à colônia se dava pela navegação do rio Santa Maria da Victória, cuja foz se dá na baía da capital do Espírito Santo.

A partir de 1874 os italianos dominam amplamente o fluxo de entrada em Santa Leopoldina que, para receber novos contingentes de imigrantes, expande-se em várias direções. São criados novos loteamentos, a exemplo do Núcleo Timbuhy (atual Santa Teresa) e o Núcleo de Santa Cruz, cujo acesso se dava por meio do rio Piraquê-Açu.

Em 1854, porém, sob a iniciativa particular do major português, Caetano Dias da Silva, havia sido criada a Associação Colonial do Rio Novo, no sul da Província, próxima ao rio Itapemirim. Para essa colônia, o major conseguiu trazer imigrantes de diversas nacionalidades, entre os quais: chineses, suíços, alemães, franceses, holandeses, belgas, portugueses, que se somaram a uma centena de escravos que já atuavam na Fazenda Limão, de propriedade de Dias da Silva. Em 1861 essa colônia passa a ser comandada pelo Governo Imperial, tornando-se uma colônia oficial. Mas o incremento de imigrantes se dá apenas a partir de 1875 com a chegada dos italianos do Tirol, então sob o domínio da Áustria.

A colônia ocupou uma vasta área de terrenos devolutos (do Governo) entre os rios Itapemirim e Benevente. Os núcleos de colonização foram denominados de Primeiro, Segundo, Terceiro, Quarto e Quinto Territórios. Este último, foi demarcado já na margem oposta do rio Benevente. Além dos rios acima citados, o acesso também se dava pelo porto de Piúma por meio do rio Iconha por onde se poderia alcançar as demarcações dos Primeiro, Segundo e Terceiro territórios. O rio Itapemirim foi a via de transporte para os primeiros imigrantes e dava acesso ao Primeiro Território, o núcleo inicial de colonização. Por meio do rio Benevente, que desemboca na atual cidade de Anchieta, entrou o maior contingente de imigrantes. Por esse rio singraram mais de oito mil italianos entre 1875 e 1900. Em 1879 a região ganha uma nova colônia: Castello. Demarcada em parte nos antigos terrenos da ex-Colônia de Rio Novo, avançando em direção às cabeceiras do Benevente e atingia os limites Sul da ex-Colônia de Santa Isabel.

Em suma, a iniciativa pioneira da Colônia de Santo Agostinho, logo no alvorecer do século XIX, resultado da chegada da família imperial em 1808; e a criação das quatro colônias citadas é que se configura o período colonizador no Espírito Santo durante o Brasil Imperial.

Com a abolição da escravatura, em 1888, o fluxo de imigrantes, que havia estacionado desde 1881, ganha um novo impulso. As novas levas de famílias camponesas são agora canalizadas para as antigas fazendas de escravos, para substituir a mão de obra negra no cultivo do café. Paralelamente, com a Proclamação da República, o Estado ganha autonomia e passa a demarcar novos núcleos de colonização. O destino agora também é o Norte, para as fazendas de São Mateus, às margens do rio Cricaré, onde também foram criadas as colônias oficiais de Santa Leocádia e Nova Venécia. Porém, as fazendas de café ao sul do Estado, nos vales dos rios Itabapoana e Itapemirim, são as que recebem o maior contingente de famílias imigrantes. Além dos italianos, se verifica também a entrada de portugueses, espanhóis, de agricultores de San Marino e até mesmo de ucranianos. Nas nascentes do Itapemirim é demarcado o Núcleo Costa Pereira, ocupado e logo abandonado por famílias espanholas.

O rio Doce passa então a ser utilizado como via de acesso para as colônias criadas à sua margem. Um dos núcleos ali demarcados, o Moniz Freire, estava localizado em terrenos paludosos e, portanto, com grande incidência de insetos causadores de febres, o que dizimou centenas de italianos em 1895.

Antes porém, em 1813, um grupo de aproximadamente trinta espanhóis, subiram o rio, encaminhados para a fazenda de João du Pin Calmon, o primeiro núcleo de povoamento que deu origem a atual cidade de Linhares. Em 1857, Nicolau Rodrigues França Leite transporta cerca de cinquenta imigrantes alemães e franceses para a sua colônia particular, denominada de Fransilvânia, nos arredores da atual cidade de Colatina. Em 1861 o empreendimento já havia sido completamente abandonado pelos colonos em função do frequente ataque dos Botocudo.

De fato, é a partir da criação dos núcleos de colonização oficiais e a conseqüente expansão das suas fronteiras, bem como da necessidade de mão de obra nas antigas fazendas escravocratas, é que se verifica a ocupação do território capixaba pela colonização estrangeira.

Cilmar Franceschetto

Coordenador do projeto